segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Esta gente... por Sophia!



ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo


Sophia de Mello Breyner Andresen | "Geografia"

domingo, 8 de dezembro de 2019

Taberna do Diabo



O Cancioneiro do Niassa é uma colectânea de fados e canções centrados na vida dos militares portugueses colocados na região do Niassa, Moçambique durante a Guerra Colonial nos finais da década de 60. Constituem maioritariamente adaptações das letras de melodias em voga na altura e retratam uma visão humorística e sarcástica da própria guerra. As letras foram elaboradas essencialmente pelos próprios militares tendo sido efectuadas algumas gravações privadas que foram circulando rápida e clandestinamente entre os militares de outras zonas da guerra. A Taberna do Diabo é uma delas!

Obrigada, Carlos Ferro!



Um dia fui dar com Deus
na taberna do Diabo
Entre cristãos e ateus
fizeram de mim soldado

E eu sem querer fui embarcado
Levei armas e um galão
P'ró outro lado do mar
Quis levar o coração
Não mo deixaram levar

E eu sem querer ia matar
E eu sem querer ia matar

Deram-me uma cruz de guerra
quando matei meu irmão
e a gente da minha terra
promoveu-me a capitão

E eu sem querer fiquei papão
E eu sem querer fiquei papão

Todos me chamam herói
Ninguém me chama Manel

Quem quer uma cruz de guerra
Que eu já não vou p'ró quartel

Que eu já não vou p'ró quartel
Que eu já não vou p'ró quartel