quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O desacerto por Miguel Torga



DESACERTO

Ternura em movimento,
Vamos os dois - o sol e a sombra juntos,
O futuro e o passado no presente.
O que te digo é urgente;
O que tu me respondes não tem pressa.
A minha voz acaba na vertente
Onde a tua começa.


Apertamos as mãos enamoradas.
Uma quente, outra fria...
E sorrimos às flores que no caminho
Nos olham com seus olhos perfumados.
Tu, de pura alegria;
Eu, de melancolia...
Um a cuidar, e o outro sem cuidados.


Canta um ribeiro ao lado.
Ambos o ouvimos, mas diversamente.
O que em ti é promessa de frescura
À terra da semente semeada,
Em mim é já certeza de secura
De raiz arrancada.


Almas amantes e desencontradas
Na breve conjunção
Que tiveram na vida.
Levo de ti um halo de pureza,
Deixo-te a inquietação duma lembrança...
E é inútil pedir mais à natureza,
Surda ao meu desespero e à tua confiança.


Diário X