terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Nau Catrineta cantada por Fausto

Numa versão ligeiramente diferente daquela que foi dada na aula. Serão capazes de encontrar as diferenças?


Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitam sortes à ventura,
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão-general.

-- «Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!»

-- «Não vejo terras de Espanha
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.»

-- «Acima, acima, gajeiro,
Acima, ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal.»

-- «Alvíssaras, capitão,
Meu capitão-general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.»

-- «Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.»

-- «A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.»

-- «Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.»

-- «Não quero o vosso dinheiro,
Pois vos custou a ganhar.»

-- «Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.»

-- «Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.»

-- «Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de eu dar?»

-- «Eu quero a nau Catrineta,
Para nela navegar.»

-- «A nau Catrineta, amigo,
É de el-rei de Portugal.
Pede-a tu a el-rei, gajeiro,
Que ta não pode negar.»

sábado, 1 de novembro de 2014

Ir pedir Santórios


Este ano, mais que nunca, senti saudades desta tradição da minha aldeia e, pelo que sei, de outras na região da Bairrada. 
Era costume, no dia 1 de Novembro, logo pela manhã, saírem grupos de crianças munidos com sacolas, cestos e sacos de plástico, para baterem às portas dos habitantes da Póvoa do Bispo pedindo santórios. 
Éramos recebidos com sorrisos francos por detrás de portas de madeira que se abriam rangendo. Havia sempre nos rostos uma surpresa fingida mas terna... Logo nos conduziam à cozinha, aos celeiros ou aos sótãos onde estavam guardados, com todos os cuidados, os tão preciosos santórios: cestos com maçãs perfumadas, romãs, dióspiros, marmelos, abóboras, nozes, castanhas, avelãs e, penduradas em cordéis, as uvas passas.
As mãos calejadas pelo trabalho do campo distribuíam alguns exemplares pelos nossos sacos, e lá vinha a explicação: " Não posso dar mais... virão outros depois de vós... E tenho que guardar para o Natal e para o Inverno que aí vem...!" Os agradecimentos saíam em avalanche de todas as bocas: "Obrigada, ti Alzira... ti Manel... ti Benjamim... ti Serafim... ti Quitas... ti Madeu... ti Rosita...ti Céu... Ti Telvina..." Tantos nomes e rostos já desaparecidos...
Havia duas casas que me fascinavam e onde eu ansiava entrar: a casa do ti Manel Prior porque tinha um sótão amplo, misterioso, impregnado do perfume das maçãs e dos pêros e a casa do ti Benjamim cujos cheiros eu sempre liguei ao outono. Quando nas aulas dou a fábula " A cigarra e a formiga", inevitavelmente a minha memória afectiva e olfactiva estabelece uma ligação com estas duas casas. 
Coisas da infância do nosso povo, do nosso ser...
É com tristeza que vejo estas tradições completamente substituídas por costumes que nada têm a ver com a nossa cultura.