terça-feira, 23 de outubro de 2018

Santo e senha de Miguel Torga

SANTO E SENHA

Deixem passar quem vai na sua estrada
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.


Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.


Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer
Deixem-no pois passar, agora


Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai
Uma estrela no chão.


in DIÁRIO I

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Carolina Deslandes e a Nuvem Avô!





Tinhas as mãos enrugadas e cheias de histórias
A roupa lavada e vem-me à memória
Como me embalavas depois de jantar.


Tinhas o rosto sereno, calmo e sempre vivo
E o meu corpo pequeno, mas tão emotivo
Não te sabe lembrar sem chorar


Eras da minha alma, da minha casa
Eu era tua costela
Dormia na tua sala, na tua asa
Quente como a chama de uma vela.
E agora não te tenho, só te lembro
E gosto de te cantar
Guarda um cantinho da tua nuvem
Para um dia eu lá morar


Tinhas um corpo de lar
E um cheiro a infância
Os olhos de mar, e hoje à distância
Se fechar os olhos ainda lá estou
E deitada no teu colo
O mundo era meu,
Só me resta o consolo
De que aí no céu
Exista uma nuvem com nome de Avô.


Eras da minha alma, da minha casa
Eu era tua costela
Dormia na tua sala, na tua asa
Quente como a chama de uma vela.
E agora não te tenho, só te lembro
E gosto de te cantar
Guarda um cantinho da tua nuvem
Para um dia eu lá morar


Há um sítio lá ao pé do sol
Onde eu te vou encontrar
Há um sítio lá ao pé do sol
Onde eu te vou encontrar


Eras da minha alma, da minha casa
Eu era tua costela
Dormia na tua sala, na tua asa
Quente como a chama de uma vela.
E agora não te tenho, só te lembro
E gosto de te cantar
Guarda um cantinho da tua nuvem
Para um dia eu lá morar


E agora não te tenho, só te lembro
E gosto de te cantar
Guarda um cantinho da tua nuvem
Para um dia eu lá morar


terça-feira, 9 de outubro de 2018

A competição pelo Senhor Valéry de Gonçalo M. Tavares

A Competição



O senhor Valéry não gostava de competir. Sobre qualquer competição ele dizia que do 1º ao último lugar todas as classificações eram más. E interrogava-se:

- Ganhar aos outros para quê? Perder com os outros porquê? - Prefiro ser vice-último ou sub-último - dizia ele, com ironia.

E explicava:

- Só existe justiça numa competição se todos partirem de condições iguais. Mas tal não existe, já se sabe. E se todos fossem iguais como poderia ficar um à frente de outro? Numa competição as pessoas acabam sempre como começaram - concluía o senhor Valéry.

E o senhor Valéry dizia ainda:

- O que eu gostava era de ver uma corrida de 100 metros onde cada pista terminasse num ponto diferente. - Imaginem 4 pistas de 100 metros assim...(e ele desenhava)



- ... deste modo - continuava o senhor Valéry - ao terminar a competição, cada atleta perceberia melhor o que estava à sua espera no dia seguinte. Mesmo que ganhasse acabava a corrida sozinho, o que é uma pequena lição de vida.

E depois desta afirmação algo ambígua, o senhor Valéry prosseguiu o seu passeio diário, com o corpo um pouco curvado, o chapéu enterrado na cabeça, e sozinho, completamente sozinho, como sempre.



in, O Senhor Valéry, Gonçalo M. Tavares

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O desacerto por Miguel Torga



DESACERTO

Ternura em movimento,
Vamos os dois - o sol e a sombra juntos,
O futuro e o passado no presente.
O que te digo é urgente;
O que tu me respondes não tem pressa.
A minha voz acaba na vertente
Onde a tua começa.


Apertamos as mãos enamoradas.
Uma quente, outra fria...
E sorrimos às flores que no caminho
Nos olham com seus olhos perfumados.
Tu, de pura alegria;
Eu, de melancolia...
Um a cuidar, e o outro sem cuidados.


Canta um ribeiro ao lado.
Ambos o ouvimos, mas diversamente.
O que em ti é promessa de frescura
À terra da semente semeada,
Em mim é já certeza de secura
De raiz arrancada.


Almas amantes e desencontradas
Na breve conjunção
Que tiveram na vida.
Levo de ti um halo de pureza,
Deixo-te a inquietação duma lembrança...
E é inútil pedir mais à natureza,
Surda ao meu desespero e à tua confiança.


Diário X

terça-feira, 10 de julho de 2018

Quanto mais se sobe, mais as pessoas... desaparecem.

Talvez seja do momento, mas faz todo o sentido!



«(...) Quanto mais se sobe, mais as pessoas desaparecem. Os governos não sabem que as pessoas existem, de tão em cima que estão. Falam do povo, mas é uma entidade abstrata, tal como nós falamos de Deus. Ninguém, lá do alto da governação, sabe se o povo realmente existe, é uma questão de fé. Chega-se até a descrever as suas características e a temê-lo, mas nunca ninguém o viu, senão uns místicos que desceram ao nosso nível e que acabam descredibilizados e ridicularizados. O místico diz que o povo sofre e que é preciso mais justiça e que cada pessoa tem uma vida e não são uma Unidade, mas que são, isso sim, pessoas realmente separadas umas das outras, com existência própria. Ele, como um profeta do fim dos tempos, avisa os seus congéneres de que o povo pode ser perigoso e pode derrubar coisas muito altas. É preciso não esquecer, diz ele com o dedo esticado para baixo, que, por mais alta que seja uma árvore, o seu tronco mantém-se ao alcance de um machado. Mas ninguém dá ouvidos ao místico que viajou até à terra e a sua carreira política termina imediatamente e de forma ultrajante.»

In "O pintor debaixo do lava-loiças" de Afonso Cruz

Os desenhos de olhos também são do livro!

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Em epifania com... Afonso Cruz!



"Todos os jardins da nossa infância são o jardim do paraíso. A pele suave desses tempos em que se corria com as pernas arqueadas soltando uma espécie de luz pela respiração. Ríamos a correr para os braços dos adultos numa entrega absoluta. Eles, os adultos, atiravam-nos ao ar e apanhavam-nos com mãos ásperas, e, talvez por isso, quando crescemos nunca mais deixamos de, esporadicamente, sonhar que voamos. E de sonhar com gigantes e anões, pois eram essas as nossas proporções."

in "O pintor debaixo do lava-loiças" de Afonso Cruz

terça-feira, 26 de junho de 2018

Eu esperei... por Tiago Bettencourt!

Depois do concerto de ontem, em Anadia, ficou-me na alma!



Eu esperei
Mas o dia não se fez melhor
Mas o sujo não se quis limpar
Inventou mais flores em meu redor
Como se eu não fosse olhar!
Enfeitou as ruas para cobrir
Terra seca de não semear
Deram-me água turva de beber
Dizem cura e força e solução
Como se eu não fosse olhar!

Eu esperei
Mas o fumo não saiu da estrada
Arde o sonho em troca de nada
Dizem festa, mas é solidão
Como se eu não fosse olhar!
A mentira não se fez verdade
A justiça não se fez mulher
A revolta não se faz vontade
Braços novos sem educação
Sangue velho chora de saudade!

Eu esperei
Dizem luta mas não há destino
Dão-me luzes mas não é caminho
Dizem corre mas não é batalha
Como quem não quer mudar!
Esta corda não nos sai das mãos
Esta lama não nos sai do chão
Esta venda não deixa alcançar
Cantam "armas" mas não é amor
Mão no peito mas não é amar
Cavaleiro mas sem lealdade
Fato justo mas já sem moral
Braços sujos que se vão esconder
Braços fracos não são de lutar
Braços baixos não se querem ver
Como se eu não fosse olhar!

Eu esperei Pelo tempo transparente em nós
Pelo fruto puro de colher
Pela força feita de alegria
Mas o povo dorme na ilusão!
E a tristeza é forma de sinal
Liberdade pode ser prisão
Meu deus, livrai-nos do mal
E acorda Portugal
E acorda Portugal
E acorda Portugal
E acorda Portugal


segunda-feira, 14 de maio de 2018

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Ala dos Namorados e Caçador de Sóis!




Pelo céu às cavalitas
Escondi nos teus caracóis
A estrela mais bonita, que eu já vi

Eu cresci com um encanto
De ser caçador de sóis
Eu já corri tanto, tanto para ti

Fui um príncipe encantado
Montado nos teus joelhos
Um eterno enamorado, a valer

Lancelot de algibeira
Mas segui os teus conselhos
Para voltar à tua beira
E ser o que eu quiser

Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

quarta-feira, 21 de março de 2018

As palavras de Eugénio de Andrade...

Só porque estas palavras me têm andado às voltas na cabeça e no coração...


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos, as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O teu nome por Miguel Gameiro e Mariza



Só para afastar esta tristeza
para iluminar meu coração
falta-me bem mais tenho a certeza,
do que este piano e uma canção.

Falta-me soltar na noite acesa
o nome que no peito me sufoca,
e queima a minha boca.

Falta-me soltá-lo aos quatro ventos
para depois segui-lo por onde for,
ou então dizê-lo assim baixinho
embalando com carinho,
o teu nome, meu amor.

Porque todo ele é poesia,
corre-me pelo peito como um rio
devolve aos meus olhos a alegria
deixa no meu corpo um arrepio,
porque todo ele é melodia
porque todo ele é perfeição.
É na luz escuridão.

Falta-me dizê-lo lentamente
falta soletrá-lo devagar,
ou então bebê-lo como um vinho,
que dá força pro caminho
para quando a força faltar.

Falta-me soltá-lo aos quatro ventos
para depois segui-lo por onde for,
ou então dizê-lo assim baixinho
embalando com carinho,
o teu nome, meu amor.

Porque todo ele é melodia
e porque todo ele é perfeição.
É na luz escuridão.

Falta-me soltá-lo aos quatro ventos
para depois segui-lo por onde for,
ou então dizê-lo assim baixinho
embalando com carinho,
o teu nome, meu amor.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018