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quinta-feira, 18 de março de 2021
Oração ao tempo - Maria Bethânia
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou lhe fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo
O que usaremos pra isso
Fique guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Caetano Veloso
domingo, 3 de janeiro de 2021
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Grito dos Pólo Norte!
Há alturas na vida
Em que se sente o pior
Como que uma saída
Refúgio na dor
E ao olhar para trás
Pensar no que aconteceu
O que se vê não apraz
Não gritou mas escondeu (bis)
E é nestas alturas
Sou eu mesmo que o digo
Repensamos na falta
Que nos faz um amigo
Alguém que nos mostre a luz
E nos estenda essa mão
Diga que a vida não é cruz
Olhar para trás pedir perdão (bis)
E salta a fúria em nós
Rebenta o ser mais calado
Querer puxar pela voz
Mostrar que está revoltado
À espera o tempo a passar
A desesperar
Ganhar a coragem de gritar e gritar...(bis)
E salta a fúria em nós
Rebenta o ser mais calado
Querer puxar pela voz
Mostrar que está revoltado
À espera o tempo a passar
A desesperar
Ganhar a coragem de gritar e gritar...(bis)
sábado, 2 de maio de 2020
Poema da Despedida de Mia Couto
Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
Esta gente... por Sophia!
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen | "Geografia"
domingo, 8 de dezembro de 2019
Taberna do Diabo
O Cancioneiro do Niassa é uma colectânea de fados e canções centrados na vida dos militares portugueses colocados na região do Niassa, Moçambique durante a Guerra Colonial nos finais da década de 60. Constituem maioritariamente adaptações das letras de melodias em voga na altura e retratam uma visão humorística e sarcástica da própria guerra. As letras foram elaboradas essencialmente pelos próprios militares tendo sido efectuadas algumas gravações privadas que foram circulando rápida e clandestinamente entre os militares de outras zonas da guerra. A Taberna do Diabo é uma delas!
Obrigada, Carlos Ferro!
Um dia fui dar com Deus
na taberna do Diabo
Entre cristãos e ateus
fizeram de mim soldado
E eu sem querer fui embarcado
Levei armas e um galão
P'ró outro lado do mar
Quis levar o coração
Não mo deixaram levar
E eu sem querer ia matar
E eu sem querer ia matar
Deram-me uma cruz de guerra
quando matei meu irmão
e a gente da minha terra
promoveu-me a capitão
E eu sem querer fiquei papão
E eu sem querer fiquei papão
Todos me chamam herói
Ninguém me chama Manel
Quem quer uma cruz de guerra
Que eu já não vou p'ró quartel
Que eu já não vou p'ró quartel
Que eu já não vou p'ró quartel
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Eis-me... por Sophia!
Uma preciosidade!
Eis-me
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és, de todos os ausentes, o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro são planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite, escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és, de todos os ausentes, o ausente.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'
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